POR QUE A MEMÓRIA DO BRUXO DO COSME VELHO NÃO TEM TETO NEM RODA-PÉ?

 

Da  Associação de Moradores e Amigos VIVA Cosme Velho, texto e imagens, via facebook em 18  de janeiro de 2021.

Foto de capa: Machado na terceira idade, sem retoques (Arquivo Nacional)

 

UMA NARRATIVA EM 6 CAPÍTULOS DO MAIOR CRIME DE LESA-CULTURA COMETIDO CONTRA O BAIRRO.

 

1º CAPÍTULO:

O MAIS IMPORTANTE MORADOR do Cosme Velho não foi Portinari, nem Cecília Meirelles, nem Floriano Peixoto, nem Prudente de Moraes, nem Getúlio Vargas, nem Osvaldo Aranha, nem Van Hogendorp, nem Edmundo Bittencourt, nem Lya Cavalcanti, nem Camargo Guarnieri, nem Magu Leão, nem Augusto Rodrigues, nem Odette Ernst Dias, nem Beatriz Veiga, nem Irene Ravache, nem Austregésilo de Athayde, nem Marcos Carneiro de Mendonça, nem Bárbara Heliodora, nem Carlos Lessa, nem Mendes de Moraes, nem Eugenio Gudin, nem Alceu Amoroso Lima, nem Gustavo Corção, nem o próprio Cosme Velho.

O MORADOR MAIS IMPORTANTE do bairro foi um negro, meio acaboclado, que hoje ocupa lugar de honra no cânone dos 100 maiores gênios da literatura mundial de todos os tempos. Se o Prêmio Nobel fosse dado retroativamente, ele seria o primeiro brasileiro a recebê-lo. Para Harold Bloom, o rigoroso critico-mór, ele é simplesmente “um milagre: o maior literato negro surgido até hoje!”.

POR CONTA DISSO, a VIVA Cosme Velho pede passagem para, com esta edição em preto & branco, reverenciar a cor do mais importante cosmevelhense que já circulou por estas bandas: Machado de Assis.

 

2º CAPÍTULO:

SE O LEITOR É dos que ficaram surpresos com a informação, não será o único. Tal como a imagem de Jesus, que nunca foi fotografado, os retratos de Machado foram sendo edulcorados e ‘embranquecidos’, ao longo dos anos, pelos meios de comunicação (ver primeiras fotos da galeria).

RESPEITADÍSSIMO e um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras – que nada fez para evitar o crime que motivou esta postagem –, Machado, desde os tempos do Império, gozou de muito e merecido prestígio, aqui, em Portugal e, a partir dos anos 1990 – quando seus livros ganharam boas traduções lá fora –, passou a fazer parte da doxa e da fortuna crítica mundial. Seus romances tornaram-se clássicos fundamentais, lidos, estudados e reeditados até hoje.

 

3º CAPÍTULO:

“TODO POVO TEM O GOVERNO QUE MERECE”.

MAIS CONHECIDO POR SER o criador da frase acima do que pelos livros que escreveu, Joseph de Maistre (FOTO) foi um modesto escritor francês que nunca viu Machado de Assis mais gordo, e vice-versa, mas os dois, além da literatura, têm outra coisa em comum: uma placa!

SIM, UMA PLACA – com a qual, há tempos, em Paris, um conselheiro da Viva deu de cara, no muro de uma casa, e com dizeres parecidos com os da placa do Restaurante Assis: “Nesta casa morou o escritor Joseph de Maistre (01 de abril de 1753 — 26 de fevereiro de 1821)”.

QUE TRISTE, CONSTATAR que um escritor francês, de obra rala – mas autor do excelente “Viagem ao Redor do meu Quarto” – teve a sua casa preservada até hoje, em perfeito estado; enquanto que a residência do maior romancista brasileiro foi estupidamente demolida pela mão pesada da cupidez e do descaso.

O EDIFÍCIO QUE ALI foi erguido, e que nem sequer foi batizado com o nome do escritor, é a prova concreta do maior crime de lesa-cultura cometido contra o bairro do Cosme Velho. (FOTO)

 

4º CAPÍTULO: AVISO AOS MORADORES

A VIVA tem absoluto respeito pelos moradores do edifício citado, bem como por todos os que residem nos outros mastodontes construídos a toque-de-caixa, durante o surto de especulação imobiliária pós-Túnel Rebouças – que só estancou uma década depois, quando a primeira AMA Cosme Velho constituiu-se e conseguiu estabelecer o zoneamento do bairro.

NENHUM MORADOR É OBRIGADO a conhecer a história de um bairro antes de se mudar para ele, nem poderá ser censurado por escolher uma opção que o mercado lhe deu de morar num imóvel que paga IPTU e tudo mais. Vários conselheiros da Viva, a propósito, residem nesses prédios pós-túnel.

 

5º CAPÍTULO:

QUEM É OBRIGADO a conhecer a história dos bairros é o Prefeito – no caso, o prefeito biônico Marcos Tamoyo, que passou a boiada e permitiu as obras que avacalharam o gabarito, sequestraram o espaço e taparam a melhor parte do belíssimo skyline do Vale das Laranjeiras.

CASO HOUVESSE MENTALIDADE cultural equivalente à da França, o sobrado de Machado de Assis e os outros dois (FOTO), com seus longos quintais, comporiam hoje um histórico centro de cultura e laser equivalente ao da Casa Ruy Barbosa – comparação necessária para que o leitor imagine a dimensão do aparelho cultural que foi negado aos moradores do bairro, à cidade e ao próprio país.

 

6º CAPÍTULO:

O COBIÇADO ESPAÇO AÉREO DO BAIRRO

DURANTE A FUNESTA prefeitura do Bispo Crivella, atualmente preso, a pressão da especulação imobiliária sacudiu e pôs à prova as leis que protegem os bairros da cidade. Ao mesmo tempo, os órgãos que existem para zelar pelo cumprimento de tais leis foram enfraquecidos. O Parques e Jardins, por exemplo, deixou de cuidar dos parques e jardins, sendo substituído na função pela COMLURB.

PARA PIORAR, muitos vereadores são, na verdade, office-boys das grandes empresas imobiliárias, e estão sempre tentando mudar as leis que defendem os bairros, substituindo-as por outras, que favorecem escancaradamente o mercado imobiliário, como é o caso da LUOS – Lei do Uso do Solo, que permitiria prédios de atè 8 andares nas transversais; e o caso da Lei 174, aprovada ano passado, que facilita a construção em encostas.

A VIVA SABE que o Cosme Velho, por ter ainda tantas casas, é um dos principais alvos do olho-grande das construtoras, e que, caso Crivela fosse re-eleito, o bairro iria enfrentar outro surto de febre imobiliária.

 

EPÍLOGO

O NOVO PREFEITO – que começou bem, proibindo a construção de um autódromo que destruiria 200 mil árvores da Floresta de Camboatá, em Deodoro –, já recebeu extensa carta onde a Viva demonstra, entre outras, a preocupação de que as leis que protegem os bairros voltem a prevalecer, bem como os órgãos que zelam por elas – IPP, IRPH, SMU, SMAC etc. –, para que nossas encostas e zonas de amortecimento possam ser defendidas, permitindo que o bairro preserve as características tradicionais que ainda lhe restam.

O COSME VELHO JÁ PAGOU a sua quota de sacrifício à indústria dos automóveis e ao mercado imobiliário. É preciso salvar, inadiavelmente, a Bica da Rainha e os casarões que pertenceram a Portinari e a Beatriz Veiga.

À GUISA de conclusão, a Viva pede licença para parodiar e transformar em pergunta a famosa frase de Maistre, citada mais acima: TODA CIDADE TEM O PREFEITO QUE MERECE?

 

Colagem comemorativa, com trecho da antiga Rua Cosme Velho, encimada pelas bandeiras do Império e da República, e o Corcovado ao fundo. Repare o rosto retocado do escritor (Wikipédia)

A foto que deu origem à colagem anterior (Arquivo Nacional)

O escritor, na época do seu casamento, em foto nitidamente retocada (Wikipédia)

A placa afixada na parede do Restaurante Assis.

Carolina Augusta, esposa de Machado, era mesmo augusta. Portuguesa, culta e rica herdeira, veio para o Brasil com 32 anos, e aos 35, contrariando.a familia, casou-se com um escritor negro, cinco anos mais novo, em 1869, em plena escravatura. Na foto está com 40 anos de idade (Wikipédia)

 

 

Carolina, aos 50 e 60 anos de idade. O casamento durou 35 anos, até morte dela, aos 70 anos, em 1904. Machado morre 4 anos depois. O casal não teve filhos: teve romances, contos e novelas, aos quais Carolina ajudou a dar à luz, e dos quais era a principal revisora . Por trás de um grande Machado, tem sempre uma grande Carolina (Pinterest)

 

Paginação do último soneto de Machado: uma elegia a Carolina. Repare o contraste de cor no retrato dos dois, cujo casamento P&B foi um dos primeiros a ocorrer na alta burguesia (Wikipédia)

A última foto de Carolina Augusta, no jardim do sobrado (Blog Literatura)

A última foto do mestre, possivelmente também no jardim de sua casa.

Joseph de Maistre, escritor francês, que também tem uma placa com seu nome, em um muro de Paris (ver texto)

Colagem grosseira, sem respeitar o espaço entre as casas. A da direita ainda existe, ao lado do Colégio Sion; a do meio foi derrubada na década de 1950 e deu lugar ao prédio baixo e recuado, ao lado do Mercado Imperial; e a da esquerda, que era de Machado e Carolina, foi demolida na década de 1970, para dar lugar ao prédio abaixo. Tivessem sido preservadas, o Cosme Velho seria outro Cosme Velho (Arquivo Viva).

O Edifício Marina, com 12 andares, sendo três ocupados por uma garagem brutalista. (FotoViva)

Colagem mostrando, aproximadamente, a localização do sobrado de Machado de Assis em relação ao prédio (Arquivo Viva)

 

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